domingo, 3 de junho de 2012

Reflexões


  Sequência 1  - Fernando Pessoa ortónimo/ heterónimos


     O principal traço da poesia do ortónimo é sentir/pensar que conduz à dialética consciência/inconsciência. Ansioso por permanecer no mundo dos sentidos Pessoa debate-se com a força do intelecto que não lhe permite alcançar a felicidade alegre da inconsciência. Assim, sente a dor de pensar e deseja ser a ceifeira anónima, inconsciente e feliz, inveja a sorte do gato que rege a vida pelos seus instintos, e tenta recuperar os tempos de infância, o paraíso perdido e longínquo em que onde foi feliz. Contudo trata-se apenas de fugas de si mesmo e o que permanece é a desagregação do tempo, o desencanto e angústia da efemeridade da vida.
O fenómenos da heteronímia consiste na despersonalização do “Eu” e na fuga á individualização do Ortónimo que, sentindo-se fragmentado entre o sentir e o pensar, se desdobra na criação de seres fictícios. Trata-se pois na conceção imaginária de figuras exatamente humanas que eram gente, que se movimentavam num palco onde desfilam, pelo menos, quatro personagens diferentes: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Pessoa Ortónimo.

Sequência 2  - Lusíadas


Os Lusíadas  (século XVI) constituem uma das obras que melhor exprimem a glória do povo descobridor que, graças ao seu espírito aventureiro deu novos mundos ao mundo e unificou a Terra, complementando os seus objetivos religiosos de acordo com o ideal de cruzada. Expandir a Fé e o Império é o grande objetivo que sempre norteou o Homem português, que Camões glorifica na sua epopeia em dez cantos de oitavas, com versos decassilábicos, num estilo grandioso e eloquente, onde a mitologia constitui um dos planos ao lado da História de Portugal, da viagem á Índia e das intervenções do Poeta. Camões canta a glória portuguesa do Império já conquistado, mas dirige-se a D. Sebastião a quem dedica a sua obra num tom de lamento, e nas suas reflexões lança uma crítica aos poderosos, à política e ao desprezo pela cultura.

Sequência 3 - Felizmente há luar!

    Felizmente Há Lua, é um texto emblemático do teatro português dos anos 60, desenvolve um conjunto de temas (opressão, luta pela liberdade, amor) que constituiu um todo indissociável.
   É um drama narrativo, de carácter social, dentro dos princípios do teatro épico ou brechtiano. O teatro épico tem como objetivo levar o espetador a pensar e refletir sobre o que se passa em cena. Por isso, Sttau Monteiro em Felizmente Há Luar! visa denunciar, não só as crueldades cometidas durante o regime absolutista, mas também despertar os leitores/espectadores para as crueldades e injustiças que se cometiam em Portugal durante o período do fascismo. O século XIX funciona assim como uma janela aberta para o século XX, num tempo em que a censura proibia tudo o que fosse contra o poder instituído. Concluindo, poder-se – á afirmar que Felizmente Há Luar! se constitui como uma espécie de hino a todos os residentes e a todos aqueles que lutaram pelo fim da opressão e pela restituição da liberdade do povo português.

Sequência 4 – Memorial do convento
Memorial do Convento é um romance histórico que, para além da visão crítica e sarcástica da sociedade portuguesa da primeira metade do século XVIII com os seus hábitos, corrupção, infidelidades conjugais, comportamento e atuação do Rei e da Inquisição, constitui igualmente uma reflexão sobre a condição humana, as relações entre os homens, as injustiças, a exploração dos fracos, a omnipotência dos poderosos e a miséria humana.

Na verdade, ao longo da obra, assistimos à megalomania, prepotência e egocentrismo do Rei que manda construir um convento de dimensões extraordinárias e quer que o seu nome fique para sempre associados à grandiosidade do monumento, um Rei contraditório que promulga leis mas não as cumpre, um Rei corrupto, devasso e imoral que pactua com um clero manipulador, injusto e desumano.

Contudo, assistimos também à exploração do povo trabalhador, que constitui o verdadeiro herói da obra, um herói rude, feio, deficiente, que sofre humildemente às ordens de um rei que exige o seu esforço de forma cruel e tão megalómana como o seu projecto.
Memorial do Convento ultrapassa pois o conceito de romance histórico pois não é apenas um relato da História, é simultaneamente um texto que procura transmitir uma visão do mundo, constituindo um documento de um humanismo intemporal e universal, um texto fundador de um novo conceito de romance histórico em Portugal, em que a história é contada não na óptica oficial dos poderosos, mas sim na visão dos espoliados. É, pois, um romance de intervenção social que não se limita ao século XVIII, mas é também alargado ao século XX.

Memorial do Convento


Acção
   A ação  principal é a construção do Convento de Mafra. Encontra-se um entrelaçamento de dados históricos, como  da promessa de D.João V de construir o convento, e o sofrimento do povo que nele trabalhou; conhece-se a situação económica e social do país, os auto-de-fés praticados pela Inquisição, o sonho e a construção da passarola voadora pelo padre Bartolomeu de Gusmão, as críticas ao comportamento do clero, os casamentos da infanta Maria Bárbara e do príncipe D.José. 

    Paralelamente, encontra-se a história do amor de Baltasar e de Blimunda, dois seres que partilham o amor e o sonho do padre Bartolomeu de Gusmão. E é com a vontade dOs três e com todas as vontades do domínio do fantástico que a Passarola levanta voo.  

   São estas as personagens que muitas das vezes estabelecem o fio condutor da intriga e que lhe conferem fragmento e espiritualidade, de ternura, misticismo e de magia. As obras do convento e os espaços sociais de Lisboa e Mafra dão frequentemente lugar a uma intriga de profunda humanidade trágica. As duas ações recriam situações, costumes, tradições, ambientes e problemas, sendo que o narrador nos convida a refletir sobre o presente.
Tempo
        O tempo em Memorial do Convento pode ser perspectivado segundo três vertentes: o tempo histórico (pertencente à História de Portugal); o tempo da narrativa (história contada por Saramago), e por último, o tempo do discurso que é aquele que, sendo relativamente vago (dias, meses, anos), remete para a sucessão de acontecimentos na narrativa.


        Já sabemos que o tempo histórico corresponde a alguns anos do reinado de D. João V, designadamente no que se refere à sua promessa de emergir um convento de franciscanos “em troca” de um descendente.
        Assim, a primeira pedra da obra foi colocada no dia 17 de Novembro de 1717 (o que, de facto, aconteceu historicamente), sendo a Basílica do Convento de Mafra inaugurada ainda em vida d’el-rei, a 22 de Outubro de 1730, depois de aceleradas as obras e recrutados à força milhares de membros do Povo.
       
        Quanto ao tempo da narrativa saramaguiana, existem, no romance, informações explícitas ou indiretas a vários momentos da nossa cronologia, que se resumem a 28 anos. Consideremo-los agora:
  • 1711 É a primeira referência temporal, quando se lê a propósito d’el-rei D. João V “um homem que ainda não fez vinte e dois anos” (el-rei nasceu em 1689);
  • 17 de Novembro de 1717 marca o início das obras em Mafra, com a colocação e bênção da primeira pedra;
  • 8 de Junho de 1719 é a data referida para a procissão do Corpo de Deus;
  • 1727 é o ano implicado na sequência frásica “dezasseis anos passaram desde que a vimos pela primeira vez” – sobre Blimunda;
  • 22 de Outubro de 1730, data indicada por D. João V para a sagração da Basílica, momento da celebração dos seus 41 anos de idade;
  • 1739 é a última data implicada na obra, por meio da frase que inicia o último capítulo de Memorial do Convento, “Durante nove anos, Blimunda procurou Baltasar”, momento que se seguiu ao desaparecimento misterioso deste homem.
        No que diz respeito ao tempo do discurso, o romance refere-se à passagem do tempo dentro da narrativa, através do recurso a dias, meses e anos, como acontece nos exemplos a seguir indicados:
  • “Ao outro dia, depois d’el-rei partir para a cortes”;
  • “Aí está Junho”;
  • “Agosto acabou, Setembro vai em meio”.
        É neste tipo de tempo, o do discurso, que o narrados, omnisciente e sempre sabedor, manipula as informações que quer dar aos leitores, referindo-se a tempos anteriores à construção do convento, ou posteriores a ela. Essa técnica de referência temporal é conseguida através de analepses, prolepses, elipses e resumos, que vão fazendo variar o ritmo do discurso e da narração.

Espaço:

Espaço Físico:

É o espaço real, onde os acontecimentos ocorrem, confere verosimilhança à história narrada. O cenário da obra tem dois macro espaços:

Lisboa, cujos micro-espaços são:

Abegoaria - na Quinta do Duque de Aveiro, em S.Sebastião da Pedreira, é o local onde a passarola é construída.

Terreiro do Paço - local onde se situava o palácio do rei, é o centro do poder;

Rossio - é o centro urbano onde tem lugar as festividades como os autos-de-fé, as procissões e as touradas;

Mafra, cujos micro-espaços são:

Ilha da Madeira - é um aglomerado de barracões de madeira onde se localiza os alojamentos dos operários que trabalham na construção;

Vila de Mafra - é uma pequena população que sobrevive pela agricultura e que vive isolada da civilização até o rei escolher Mafra como local da construção do convento;

Alto da Vela - é o local da construção do convento;

- Espaço Social: 

É relatado através de determinados momentos e do percurso de personagens que tipificam um determinado grupo social, caracterizando-o. O ponto de vista sociológico em que o narrador se coloca permite-lhe apresentar um quadro claro da vida social do século XVIII.
- A vida na corte, com a apresentação do séquito real, do vestuário das personagens, das vénias protocolares, do ritual das relações entre o rei e a rainha e todos aqueles que frequentam o paço, sobretudo o clero (Cap. I);
- Diversas procissões, nomeadamente, a de penitência pela altura da Quaresma (Cap. III), a dos autos-de-fé (Cap. V e XXV); a do Corpo de Deus em Junho (Cap. XIII); que atestam a influência da religião na sociedade;
- O batizado da princesa Maria Bárbara no dia da Nossa Senhora do Ó (VII);
- A tourada em Lisboa, no Terreiro do Paço (IX);
- Os festejos da inauguração e da bênção da primeira pedra do convento de Mafra (XII);
- As lições de música da infanta Maria Bárbara ministradas por Domenico Scarlatti (XVI);
- A epidemia de cólera e febre-amarela que dizima o povo (XV);
- O cortejo nupcial que retrata os casamentos da infanta Maria Bárbara e do príncipe D. José com o príncipe e infanta espanhóis (XXII);
 - Sagração, em 1730, do convento de Mafra, apesar de ainda não concluídas as obras (XXIV) …

 - Espaço Psicológico:
         Este espaço é entendido através do monólogo interior em que as personagens revelam o seu íntimo ou representado através do sonho/imaginação da evocação, da memória e da emoção, podendo, também, ser sugerido através da descrição de atmosferas ilustrativas do pensamento predominante de uma época.
         Ora, em Memorial do Convento, a vida da sociedade do século XVIII pauta-se por uma religiosidade fanática e opressiva que dita as regras do comportamento social. É exemplo deste espaço psicológico quando Baltasar relembra o momento em que perdeu a sua mão esquerda na guerra.


Estrutura da obra

A análise de Memorial do Convento permite constatar a existência de duas narrativas simultâneas: uma de carácter histórico – a construção do convento de Mafra decretada pelo Rei D. João V  – e outra ficcionada – a construção da passarola que engloba a história de amor entre Baltasar e Blimunda.
A ação principal diz respeito à concretização do plano de D.João V – a edificação do convento. Mas nesta encaixam-se outras ações, constituindo diferentes linhas de acção que se articulam com a primeira.

Linguagem e Estilo

            Importa refletir sobre a especificidade do estilo saramaguiano, que já fez escola, e nos dá a perceber algumas ruturas com a norma linguística, sobretudo ao nível da pontuação, da separação de falas e de discursos e da utilização da maiúscula no meio da frase.
            Estes aspetos ultrapassam o seu pendor exclusivamente gráfico e repercutem- se na própria teia, tecida pelo narrador, onde não se destrinçam sem algumas dificuldades as origens e a pertença de vozes da narrativa manobradas e interrompidas, qui e acolá, com este ou aquele comentário ou aparte, a seu bel-prazer.

Dimensão simbólica/ histórica em Memorial do Convento



O Convento de Mafra, mandado construir por D. João V, simboliza a ostentação régia, a opressão e a vaidade dos poderosos. Representa o sacrifício dos operários que construíram o monumento, a exploração e miséria do povo que nele trabalhou.
As personagens de Blimunda, com o seu poder de visão, compreende as coisas sobre a vida, a morte, o pecado e o amor, e simboliza, na obra, olhar da «História» que o narrador exercita, denunciando a moral duvidosa, os excessos da corte, o materialismo e hipocrisia do clero, as injustiças da Inquisição, o terror, o obscurantismo de uma época, a miséria e as diferenças sociais.
número sete, que muitas vezes aparece em Memorial do Convento, também carrega alguma simbologia. Sete são as vezes que Blimunda passa em Lisboa, em demanda de Baltasar. Este número regula os ciclos da vida e da morte na Terra e pode ligar-se à ideia de felicidade, de totalidade, de ordem moral e espiritual.
Sol, associado a Baltasar e ao povo, sugere a ideia de vida, de renovação de energias (o povo trabalha até à exaustão no convento, Baltasar constrói uma máquina, mesmo depois de amputado). Como o Sol, que todos os dias tem de vencer os guardiães da noite, também Baltasar vence as forças obscuras da ignorância e da intolerância ao voar.
 Lua, símbolo do ritmo biológico da Terra, traduz a força vital que é representada pelas vontades recolhidas por Blimunda para fazer voar a passarola. Associada a Blimunda, lembra o seu mágico poder de «ver às escuras».
A passarola traduz a harmonia entre o sonho e a sua realização. Graças ao sonho, foi possível juntar a ciência, o trabalho artesanal, a magia e a arte, para fazer a passarola voar. Representa o progresso, a liberdade, a alternativa a um espaço de repressão, intolerância e violência.


Visão crítica

Desde o início que o Memorial do Convento se apresenta como uma crítica cheia de ironia e sarcasmo à fortuna do rei e de alguns nobres por oposição à extrema pobreza do povo.
Em Memorial do Convento, José saramago apresenta uma caricatura da sociedade portuguesa da época de D. João V, revelando-se antimonárquico e com um humanismo fechado à transcendência, bastante angustiado e pessimista. Nas questões religiosas, não só usa a ironia, como também se revela frontal nas apreciações à Inquisição e aos santos que a ela se ligaram como S.Domingos e Santo Inácio, considerados «ibéricos e sombrios, logo demoníacos, se não é isto ofender o demónio». Esta acusação resulta de toda a imagem histórica dos tempos inquisitoriais e das práticas então havidas. Há uma constante denúncia da Inquisição e dos seus métodos e uma crítica às pessoas que dançam em volta das fogueiras onde se queimaram os condenados.
A sátira estende-se a Mafra e à situação dos trabalhadores; à atitude do Rei em obrigar todo o homem válido a trabalhar no convento; aos príncipes, como D.Francisco, que se entretém a «espingardear» os marinheiros ou quer seduzir a rainha, sua cunhada, e tomar o trono.