quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Alberto Caeiro. O Mestre


“Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. (…) Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma – só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó.”

Fernando Pessoa chamou a Caeiro o seu “Mestre”, pois ele era aquilo que Pessoa não conseguia ser: alguém que não procura qualquer sentido para a vida ou o universo, porque lhe basta aquilo que vê e sente em cada momento. Vive, assim, exclusivamente de sensações e sente sem pensar. É, pois, o criador do Sensacionismo, e também o Mestre dos outros heterónimos pessoanos. Enquanto Pessoa ortónimo procura incessantemente conhecer o que está para além daquilo que vê e sente, Caeiro não procura conhecer, não deseja adivinhar qualquer sentido oculto, uma vez que o “único sentido oculto das coisas / é elas não terem sentido oculto nenhum” e “as coisas não têm significado, têm existência”.
Nos seus poemas, está expresso um conceito de vida segundo o qual, partindo da aceitação serena do mundo e da realidade, saboreia tranquilamente cada impressão captada pelo seu olhar, ingénuo como o de criança. É, ao contrario de Pessoa, o poeta do real objectivo e nunca foge para o sonho, nem sequer para a recordação. Vive no presente, sem pensar no passado, e por isso não sofre de qualquer nostalgia, e sem pensar no futuro e, por isso, não tem medo da desilusão, nem mesmo da morte.
Optando pela vida no campo, acredita na Natureza, defendendo a necessidade de estar de acordo com ela, de fazer parte dela. Pela crença na Natureza, o Mestre revela-se um poeta pagão, que sabe ver o mundo dos sentidos, ou melhor, sabe ver o mundo onde se revela o divino, em que não precisa pensar.

Características temáticas


Objectivismo, sensacionismo,antimetafísico (recusa do conhecimento das coisas), panteísmo naturalista (adoração pela natureza)


Características estilísticas

Verso livre, métrica irregular, despreocupação a nível fónico, pobreza lexical ( linguagem simples, familiar), adjectivação objectiva, pontuação lógica, predomínio do presente do indicativo, frases simples, predomínio da coordenação, comparações simples e raras metáforas.

O guardador de rebanhos



Eu nunca guardei rebanhos,

Mas é como se os guardasse.

Minha alma é como um pastor,

Conhece o vento e o sol

E anda pela mão das Estações

A seguir e a olhar.

Toda a paz da Natureza sem gente

Vem sentar-se a meu lado.

Mas eu fico triste como um pôr de sol

Para a nossa imaginação,

Quando esfria no fundo da planície

E se sente a noite entrada

Como uma borboleta pela janela.


Mas a minha tristeza é sossego

Porque é natural e justa

E é o que deve estar na alma

Quando já pensa que existe

E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Com um ruído de chocalhos

Para além da curva da estrada,

Os meus pensamentos são contentes,

Só tenho pena de saber que eles são contentes,

Porque, se o não soubesse,

Em vez de serem contentes e tristes,

Seriam alegres e contentes.


Pensar incomoda como andar à chuva

Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos.

Ser poeta não é uma ambição minha

É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes

Por imaginar, ser cordeirinho

(Ou ser o rebanho todo

Para andar espalhado por toda a encosta

A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,

Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz

E corre um silêncio pela erva toda.


Quando me sento a escrever versos

Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,

Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,

Sinto um cajado nas mãos

E vejo um recorte de mim

No cimo dum outeiro

Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,

Eu olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,

E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz

E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,

Tirando-lhes o chapéu largo

Quando me vêem à minha porta

Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.

Saúdo-os e desejo-lhes sol,

E chuva, quando a chuva é precisa,

E que as suas casas tenham

Ao pé duma janela aberta

Uma cadeira predilecta

Onde se sentem, lendo os meus versos.

E ao lerem os meus versos pensem

Que sou qualquer coisa natural
Por exemplo, a árvore antiga

À sombra da qual quando crianças

Se sentavam com um baque, cansados de brincar,

E limpavam o suor da testa quente

Com a manga do bibe riscado.



Alberto Caeiro




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